Com o tema Celebrando a Diversidade: Eu, Tu, Eles… É Nós!, o 27º Congresso da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas (Abead) será realizado em São Paulo, de 3 a 6 de setembro, trazendo debates nas áreas de saúde mental do país e da América Latina.

Um dos assuntos abrange o consumo de álcool e outras substâncias entre as mulheres, o que vem ocorrendo cada vez mais precocemente. “Não podemos só ficar olhando para uma estatística crescente e não contribuir em nada para que esse cenário mude”, disse à Agência Brasil a psiquiatra Alessandra Diehl, presidente da Abead.

Muitos dos espaços para tratamento de mulheres atualmente são feitos por organizações não governamentais e movimentos sociais. Durante a pandemia de covid-19, surgiu um movimento chamado Alcoolismo Feminino, que se transformou em associação, e que hoje oferece tratamento. “Esse movimento nasceu virtual e hoje só cresce”, afirmou a psiquiatra. Vale a pena mencionar também o movimento de mulheres dentro do grupo Alcoólicos Anônimos, chamado Colcha de Retalhos, com o mesmo objetivo.

A presidente da Abead avaliou que há poucos espaços de tratamento para a mulher com a inclusão de mães e seus bebês. Todas as questões relacionadas a gênero, como a síndrome alcoólica fetal (SAF) serão analisadas durante o congresso. Será apresentada também uma iniciativa a nível municipal, em Ribeirão Preto (SP), para diminuir a prevalência da síndrome.

Outro tema envolve crianças, filhos de mulheres que fazem uso de substâncias psicoativas. A pesquisadora mexicana Corina Giacomello abordará as intervenções para filhos de dependentes químicas, o que se chama de prevenção seletiva. “Nós sabemos que as crianças, adolescentes, ou filhos de usuários que convivem em um lar com dependência química precisam ter uma atenção especial já que eles também têm chance de desenvolver dependência química.”

Estigma

Outra pauta aborda o preconceito em relação aos dependentes químicos e aos profissionais da área. A presidente da Abead citou uma pesquisa da Fundação Perseu Abramo que, em 2009, indicava que 41% da população brasileira tinha “ódio ou antipatia” de conviver com o usuário de drogas.

“O estigma está direcionado a dependentes químicos, usuários de substâncias, e enraizado na sociedade em vários segmentos, desde a população geral até os profissionais da saúde. Muitos não querem trabalhar com dependente químico, porque acham e veem essas pessoas como marginais, bandidos, como pessoas fracas que estão nessa situação porque simplesmente querem.”

Segundo a psiquiatra, o preconceito resvala, muitas vezes, no profissional que atende o dependente químico. Todas as interfaces do preconceito, do estigma, serão debatidas em vários momentos durante o congresso, abordando também o preconceito reproduzido na mídia, que usa palavras como viciado ou drogado nas reportagens. “A linguagem tem o poder de perpetuar esses mitos, preconceitos e estigmas”, destacou.

O movimento Faces e Vozes do Brasil, parte de organização criada nos Estados Unidos, tem em sua linha dorsal o combate ao estigma que protela a busca por tratamento. Esse movimento fala: Eu sou a face e a voz da recuperação. “A recuperação é possível. Ela existe”, afirmou Alessandra Diehl.

Tabaco

No Fórum de Tabagismo, o congresso da Abead vai discorrer sobre os avanços do Brasil na luta contra o hábito de fumar. O país continua protagonista dentro da Convenção Quadro de Controle do Tabaco, tratado internacional assinado em 2003, que enfrenta agora ameaça em alguns quesitos, como o cigarro eletrônico.

Existem ameaças, segundo a psiquiatra, apesar de resolução da diretoria colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), de 2009, que proíbe a venda de cigarro eletrônico no país, ratificada pelo órgão neste ano.

A prevalência do tabagismo no Brasil, em torno de 43% no final da década de 1980, hoje caiu para 12%, de acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). “Os cigarros eletrônicos estão minando os bons resultados alcançados pelo país.”

América Latina

A presidente da Abead indicou que a pandemia de covid-19 agravou quadros psiquiátricos pré-existentes e novos casos surgiram. O congresso objetiva não só fomentar o debate, mas ser fonte de educação dos profissionais que estão na linha de frente e que não tiveram acesso a cursos de formações específicos.

O tema da diversidade, escolhido para o congresso deste ano, não aborda somente a diversidade de gênero, mas a diversidade de públicos alvos, de modos de tratar, de terapias e possibilidades de tratar, de formas de abordar a questão e de dialogar com políticas públicas também distintas, englobando redução de danos, abstinência, iniciativas de legalização de drogas fora do Brasil, resultados obtidos. “Este é um momento em que vivemos novamente essa questão de legalização [de drogas]. O debate voltou à pauta e será objeto de apreciação no congresso.

Nesta edição do evento, a Abead priorizou trazer colegas do Chile, México e Argentina, para falarem da realidade das drogas na América Latina, porque muitas informações são baseadas em dados dos Estados Unidos e Europa que não refletem o que se vive nos países latino-americanos. Por exemplo, na região não foi registrada uma crise de opioides, como naqueles países.

Dependência

O congresso contará com a participação do ator Niso Neto, filho do comediante já falecido Chico Anísio, que vai participar de talk show para relatar a perda de um filho, cuja morte foi relacionada ao consumo do chá de ayahuasca, do Santo Daime. O debate vai abordar a influência da substância em pessoas vulneráveis, que já têm um substrato neuro biológico, ou seja, uma genética para sintomas psiquiátricos, e que pode desenvolver sintomas psicóticos.

No tópico de substâncias que tiram a consciência das pessoas, o congresso vai debater também os medicamentos compostos, cujo consumo cresceu muito, principalmente na pandemia, apontou a presidente da Abead.

Nos Estados Unidos, por exemplo, o crescimento das vendas superou 300%. No trabalho intitulado Zolpidem: Aumento do Seu Uso Associado ao Cenário Pandêmico da Covid-19, apresentado em junho de 2023 no Centro Universitário UNA, seus autores relatam que, no Brasil, a comercialização dos psicofármacos aumentou 17% em 2020 e 13% só nos primeiros cinco meses de 2021, e que, no caso do medicamento Zolpidem, o crescimento atingiu 113% entre 2019 e 2021.

Alessandra Diehl informou que a substância Zopiclona, por exemplo, tem um efeito colateral muito grave, que é o sonambulismo. “A pessoa acorda e come, cozinha, pode fazer compras na internet, pega a chave do carro e faz isso tudo dormindo. Já tem artigos falando do impacto disso nas cortes americanas, do consumo dessas drogas, que são indutoras do sono”.

A psiquiatra indicou que o Zolpidem foi associado ao desenvolvimento de reações neuropsiquiátricas adversas, como alucinações/distorção sensorial, amnésia, sonambulismo e alimentação noturna, podendo desenvolver dependência.

Estudos mostram que uso de Zolpidem foi associado a um risco aumentado de suicídio ou tentativa de suicídio e morte por suicídio. Alessandra Diehl alertou que muitos países já tratam esse problema como importante questão de saúde pública e que o Brasil deveria trilhar o mesmo caminho. 



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