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Baixada Fluminense tem história de mobilização, afirma ativista


A data da inauguração da primeira ferrovia do Brasil, a Estrada de Ferro Mauá, marca também o Dia da Baixada Fluminense. O projeto pioneiro está entre os solavancos que tornaram a região uma das mais populosas do Brasil, com quase 4 milhões de habitantes. Por isso, a Lei Estadual 3.822, de maio de 2002, instituiu a data comemorativa em 30 de abril. 

A Baixada é composta por 13 municípios de diferentes tamanhos. Paracambi, Guapimirim e Seropédica têm menos de 100 mil habitantes. Nova Iguaçu, Duque de Caxias e Belford Roxo, mais de 500 mil. Entre esses dois extremos, estão São João de Meriti, Magé, Mesquita, Nilópolis, Queimados, Itaguaí e Japeri.

Entre as cidades, estão Duque de Caxias, com um dos 20 maiores produtos internos brutos do Brasil, e Japeri, em que a mortalidade infantil chega a 18 a cada mil nascidos vivos, enquanto a média nacional é de 13 a cada mil. 

Negros e evangélicos

O Censo de 2010, o último realizado, caracterizou as cidades da região como mais negras que a média do país, e também com maior população evangélica. Entre os 13 municípios, apenas Nilópolis e Seropédica não têm mais de 60% da população que se reconhecia como preta ou parda naquele censo. Esse percentual chega a 70% em Japeri, e a quase 68% em Belford Roxo. Em Seropédica, o número de evangélicos supera o de católicos em mais de 50%, e os protestantes também são mais numerosos nas duas maiores cidades da região, Nova Iguaçu e Duque de Caxias.

Militante pelos direitos humanos, cientista social e coordenador executivo da organização não governamental Fórum Grita Baixada, Adriano de Araújo critica, em entrevista à Agência Brasil, a generalização com que a região costuma ser tratada, e a falta de visibilidade de iniciativas culturais e sociais promovidas por moradores da região. Sua esperança em relação ao futuro da região vem do passado de grande mobilização do povo da Baixada Fluminense.

“Aqui, tem uma série de riquezas históricas. A Baixada tem muita capacidade de se mobilizar, gritar e buscar os seus direitos. Infelizmente, a gente não é acompanhado pelos governantes”, diz.

O fórum preparou um minidocumentário em que ouviu depoimentos de moradores dos 13 municípios sobre o que consideram positivo e negativo na região, além de perguntar o que significa ser um morador da Baixada Fluminense.

Entrevista

Agência Brasil: Vocês ouviram moradores de toda a Baixada sobre o que significa ser morador da região. Dá para tirar uma média e dizer uma resposta que sintetize o que vocês ouviram?

Adriano de Araújo: Eles apontaram de uma forma positiva o fato de se sentirem felizes no território muito em função da população, do jeito de ser das pessoas, da acolhida. É uma região que acolhe diferenças culturais, pessoas vindas de outros estados. Que acolhe a cultura de outros povos. Foi um aspecto que se sobressaiu. O que apareceu de positivo também foi a tranquilidade do local, nas cidades com uma população menor, e o comércio e a pluralidade cultural, nas cidades maiores.  

Agência Brasil: O fórum foi criado para reivindicar direitos humanos para os moradores da Baixada. Quais são as violações mais frequentes no caso particular dos moradores da Baixada?

Adriano de Araújo: A violência é, infelizmente, um processo marcante da região. A gente tem índices de violência letal que são proporcionalmente maiores que na capital. Então, isso, de fato, atinge uma parcela significativa da população, principalmente a população pobre, preta e das periferias. A população em geral pode ter um sentimento generalizado de insegurança, mas, as chacinas, por exemplo, não acontecem em todos os lugares. Existem lugares específicos onde essas chacinas ocorrem, bairros mais pobres e mais negros. Outros problemas atingem a grande maioria da população, como a má qualidade dos transportes, as condições precárias de funcionamento tanto dos ônibus quanto do trem. E o saneamento básico, que é um problema vital aqui na Baixada Fluminense, pela própria condição geográfica, de ter várias áreas pantanosas e alagadiças. Tem também a falta de equipamentos públicos de cultura e lazer. Há cidades que não têm uma sala de cinema. Outros aspectos que marcam muito o cotidiano da Baixada Fluminense são os feminicídios, os ataques a religiões de matriz africana e a LGBTfobia, que infelizmente ainda são muito presentes. 

Agência Brasil: A violência é um tema recorrente no noticiário sobre a região, e, de fato, é um problema real dos moradores. Mas isso, de alguma forma, tem contado uma história única sobre a região? A Baixada está sendo reduzida a isso?

Adriano de Araújo: Isso é um aspecto extremamente importante, em que a gente procura não perder a dimensão crítica, mas, ao mesmo tempo, também não cair no absolutismo das informações e, principalmente, nos estereótipos. A violência é um fenômeno presente na dinâmica não só da Baixada Fluminense, mas nas periferias do Rio de Janeiro, em regiões empobrecidas e negras. Agora, a gente percebe muito, quando faz uma avaliação da linguagem jornalística, que, quando algo acontece na cidade do Rio de Janeiro, se cita o bairro e até a rua, mas, quando se trata da Baixada, há uma generalização tão grande que, às vezes, nem as cidades são mencionadas. “Ocorreu uma chacina na Baixada Fluminense”. Ou, “em Nova Iguaçu”, que tem quase um milhão de pessoas e uma extensão muito grande. E a gente não vê os movimentos sociais que lutam contra a violência tendo destaque. Existe uma série de organizações que procuram trabalhar a educação, a cultura, o protagonismo da juventude, o enfrentamento do racismo, e que muitas vezes não têm espaço na mídia. A mídia tem uma facilidade muito grande de noticiar as milícias, as chacinas e a violência política, e isso precisa, sim, ser mostrado, mas a forma, muitas vezes, passa por um estereótipo e sem informações que permitam às pessoas ter uma visão mais crítica do que está acontecendo. 

Agência Brasil: Como você disse, é muito comum que se fale de Baixada Fluminense como um conjunto, mas sabemos que suas cidades são muito distintas. O que você acredita que une essas cidades, além da geografia, e quantas Baixadas você acredita que existem dentro da Baixada?

Adriano de Araújo: Se fala da Baixada como se fosse um bairro ou uma cidade, mas é uma região de 13 cidades, com quase quatro milhões de pessoas e cidades muito diferentes entre si. Você tem cidades como Guapimirim, por exemplo, com regiões com Mata Atlântica e vegetação preservadas, e outras cidades industriais, com uma diversidade cultural e populacional muito grande. Tem uma Baixada que tem mais um ar de uma cidade do interior, com pessoas que nasceram e vivem até hoje no local e que tem um amor muito grande pela forma como vivem, mais tranquila e mais calma, e tem cidades maiores, como Duque de Caxias, Nilópolis, Nova Iguaçu, Belford Roxo e São João de Meriti, que sofrem todos os processos muito típicos das grandes periferias dos centros urbanos. A grosso modo, se fossemos resumir de forma mais bruta, teríamos essas duas grandes Baixadas. Essa Baixada mais urbana, com os problemas e qualidades urbanas, e a Baixada interiorana, familiar e pacata, com uma população que se conhece melhor e não vê uma mudança tão bruta ao longo do tempo, com uma natureza mais preservada.

Agência Brasil: A Baixada tem um dos municípios que mais produz riquezas no Brasil, que é Duque de Caxias, e algumas localidades marcadas pela pobreza extrema, como Japeri. Como você vê essa disparidade?

Adriano de Araújo: Eu acho que é espelho do que acontece no Brasil. Quando a gente fala dessa riqueza, a gente está falando muito em função do desenvolvimento da indústria petroquímica de Duque de Caxias, que foi vital para o seu desenvolvimento. Mas essas não são riquezas que, de fato, são distribuídas para o conjunto da população. As elites políticas têm uma relação de exploração da Baixada Fluminense. Muitas lideranças políticas locais, depois que se tornam prefeitos, saem da cidade delas e vão para o Rio de Janeiro. Então, fica essa perspectiva de curral eleitoral, de ter um espaço onde você se projeta politicamente e, em função disso, você passa a ganhar privilégios e benefícios. Isso faz com que muitos governos não pensem em políticas públicas de enfrentamento dessas desigualdades. E são essas desigualdades que vão se reproduzir em baixa qualidade dos empregos, dos salários, das condições de vida e habitação. O que acontece na Baixada acontece também em outras cidades e na própria cidade do Rio de Janeiro. Muito do que se vende do Rio de Janeiro está na zona sul, mas a zona norte e a zona oeste, com algumas exceções, são muito próximas da Baixada Fluminense nesse sentido. São mais próximas da Baixada do que da zona sul.

Agência Brasil: A Baixada é terra de muitos terreiros de umbanda e candomblé, de escolas de samba fortes no carnaval do Rio e também é uma das regiões mais negras do Brasil. O resgate dessa autoestima da Baixada passa também pela valorização da sua ancestralidade?

Adriano de Araújo: Temos muitos grupos culturais, pessoas produzindo cinema aqui na Baixada Fluminense. O hip hop é muito forte na Baixada. Teve um movimento também de reggae bem interessante em Belford Roxo. Então, tem uma diversidade cultural que nem nós mesmos do Fórum Grita Baixada conhecemos todo, tamanha é essa diversidade. As religiões de matriz africana têm um papel importantíssimo na história da Baixada, e várias cidades têm buscado valorizar a cultura africana, a cultura negra. Existe uma série de movimentos, os assentamentos dos povos nativos, dos povos ancestrais, e é preciso trazer visibilidade para essas manifestações todas. 

Agência Brasil: O que te causa esperança e o que te causa preocupação a respeito do futuro da Baixada?

Adriano de Araújo: A esperança é o povo da Baixada. É esse povo que luta, esse povo que acredita, se articula. Uma das coisas que mais me marcam e trazem orgulho é a história de mobilização da Baixada Fluminense. Eu não me canso de dizer que a Baixada Fluminense, em alguns momentos da história do país, foi protagonista de muitos movimentos. Semana passada, foi lançado um filme em homenagem a Nair Jane, que é uma liderança aqui da Baixada Fluminense, que criou o Sindicato das Trabalhadoras Domésticas. Lá estava Benedita da Silva [deputada do PT-RJ] falando da importância da Nair Jane para o movimento nacional das trabalhadoras domésticas. Aqui, tem também o trabalho que a Pastoral da Terra fazia em relação à questão do direito à terra. Antes de existir o MST, já existia movimento de ocupação de terras aqui na Baixada Fluminense. Aqui também já se denunciava os esquadrões da morte e os grupos de extermínio antes de se falar sobre milícias, de se escrever sobre milícias. O movimento de mães, o movimento feminista. Aqui tem uma série de riquezas históricas. A Baixada tem muita capacidade de se mobilizar, gritar e buscar os seus direitos. Infelizmente, a gente não é acompanhado pelos governantes, e talvez essa seja a minha grande preocupação, a política na Baixada. São governos e governos que se sucedem com acusações de corrupção e envolvimento com o crime. Há vários casos de prefeitos denunciados por associação criminosa, muitos vereadores ligados a grupos milicianos. Isso é fonte de preocupação. É a ilegalidade tomando posse dos instrumentos de estado, da legalidade. E o que imaginar que vai ocorrer em cidades em que grupos criminosos tomam o poder? Isso me preocupa, porque vai repercutir em problemas na educação, na saúde e, com certeza, na segurança. Mas entendo que é algo que está dentro de um contexto político de todo o país.



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