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Brutal e perturbador, filme na Netflix é uma aula de história e um pequeno diamante do cinema


Parece não haver mesmo limite para a hediondez da guerra. Quanto mais se procura conhecer os efeitos de anos de conflitos sangrentos entre dois grupos antagônicos, seja reivindicando territórios cuja posse detém há gerações — condição legítima em qualquer terra civilizada —, seja para assegurar o direito que sustenta todos os outros, o da própria sobrevivência, mais impalpável se torna o desfecho de questões que atravessam as décadas sem perspectiva de solução no horizonte, arrastando-se pelo tempo todo de que a humanidade puder dispor no mundo. Parecemos sempre muito mais inclinados a sacrificar nossas intenções de entendimento, de paz, de futuro no fogo das armas que defender nossas convicções com fervor, mas prezando pela harmonia, como se não fosse possível partilhar coisa alguma — terra, riquezas, tesouros e a vida, patrimônio inalienável cujas infinitas possibilidades, de adaptação, de transformação, de poesia nunca se vai poder estimar com justeza. O norueguês Erik Skjoldbjærg desbrava em “Narvik” a página misteriosa de um enredo cujos capítulos projetam-se para a eternidade, sem chance de epílogo. 

Skjoldbjærg mergulha nas profundezas da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) partindo da neutralidade inicial de seu país, logo substituída por um envolvimento destacadamente belicoso, passional até, mas motivado por uma decisão bastante pragmática. O escoamento da produção do minério de ferro vindo da Suécia — 85% do que os alemães usam para fabricar armamentos e munições — se dá pelo porto de Narvik, garantia de receita e investimentos para Noruega até aquele instante. Contudo, a ocupação do litoral norueguês por navios britânicos, em 8 de abril de 1940, força o então primeiro-ministro Johan Nygaardsvold (1879-1952) a declarar seu apoio aos Aliados, selando um destino cheio das reviravoltas e contradições que só mesmo a violência e o nonsense das grandes disputas por poder encerram, inclusive com uma resposta que guarda igual menoscabo pelo decoro e por qualquer noção de honra.

O roteiro do diretor e sua trinca de colaboradores entra na substância propriamente dramática de “Narvik” apresentando o casamento (funesto, conforme se assiste no terceiro ato) de Ingrid, a tradutora vivida por Kristine Hartgen, e o cabo Gunnar Tofte, de Carl Martin Eggesbø, destacado para fazer frente às tropas de Hitler nos gélidos alpes. Ingrid também dá como governanta no Royal Hotel, alojamento dos soldados alemães. Skjoldbjærg desacelera o andamento da narrativa nesse ponto, conseguindo que o espectador volte o olhar para aspectos secundários da trama enquanto move peças mais fundamentais na direção do thriller psicológico, dando pistas do que se vai desenrolar no último segmento, quando vem a tona uma revelação a respeito de Ingrid e seu comportamento ao longo da ausência do marido e “Narvik” fomenta discussões de cunho filosófico muito apropriadas para tempos de conjunturas extremas, mas não só.

A despeito de toda a rica pontuação histórica, em telas negras que mantêm a audiência a par de cada lance, o filme de Skjoldbjærg tem muito mais sentido se encarado como um estudo da alma humana no transcurso de dias de inescapável turbulência como os que cercam uma guerra. Espécie de “Cenas de um Casamento” (1973), de Ingmar Bergman (1918-2007), de farda e rescendendo a pólvora, “Narvik” é um grande filme pelas razões erradas.


Filme: Narvik
Direção: Erik Skjoldbjærg
Ano: 2022
Gêneros: Drama/Guerra
Nota: 8/10



Via R7.com

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