McDonagh certamente não apressou a criação de “Os Banshees de Inisherin”, que estreia no Brasil nesta quinta-feira (2), com nove indicações ao Oscar
Rodrigo Salem
Los Angeles – EUA
Pouco antes dos ensaios de “Os Banshees de Inisherin” começarem, no pequeno mas charmoso teatro Druid, localizado em Galway, na costa oeste da Irlanda, Colin Farrell não estava com seu costumeiro bom humor. “Estava muito nervoso”, diz o ator na primeira exibição do filme para jornalistas em Hollywood. “Não sabia como Brendan [Gleeson, seu companheiro de set] reagiria ao papel. Ele é um ator que gosta de mergulhar intensamente nos seus trabalhos, então poderia querer distância de mim.
A preocupação faz sentido. No novo longa-metragem de Martin McDonagh, o primeiro do diretor e roteirista desde o premiado “Três Anúncios para um Crime”, de 2017, Farrell interpreta Pádraic, um jeca mazzaropiano simpático, puro e bobão que passa seus dias na pequena ilha irlandesa de Inisherin esperando a hora de tomar uma cervejinha com seu melhor amigo, Colm, vivido por Gleeson, no único bar da região.
O problema é que, certo dia, Colm decide não falar mais com o amigo. “Simplesmente não gosto mais de você”, diz o músico eremita ao fazendeiro, que não se rende à rejeição, nem mesmo quando seu ex-parceiro de bebida ameaça cortar um dedo da mão cada vez em que Pádraic puxar conversa.
“É uma história sobre separação, mas a separação de dois amigos sem um relacionamento romântico. Queria retratar a tristeza deste momento, e encontrar a humanidade nela”, diz McDonagh sobre sua tragicomédia criada antes de a Covid-19 aparecer, mas que certamente absorveu os impactos da doença sobre a humanidade.
Como muitas pessoas reais durante os isolamentos sociais, o personagem de Gleeson passou a questionar sua existência, seu legado como artista e a tentar dedicar o tempo que lhe resta com algo realmente relevante.
“Escrevi a história três anos atrás, mas a solidão e a escolha de não desperdiçar seu tempo são pensamentos que tive durante a pandemia”, diz o diretor. “Várias coisas podem ter contaminado o roteiro. Quanto tempo vamos ficar na pandemia? Agora que saímos, levamos a mesma vida ou tentamos apressar algo?”
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McDonagh certamente não apressou a criação de “Os Banshees de Inisherin”, que estreia no Brasil nesta quinta-feira (2), com nove indicações ao Oscar, inclusive a de melhor filme. O dramaturgo britânico queria repetir a parceria com Farrell e Gleeson desde o sucesso de “Na Mira do Chefe”, de 2008. “Temos um acordo no qual leio tudo que ele escreve e posso dizer se quero fazer ou não, sem ressentimentos”, diz Farrell, entre risos.
“Queria trabalhar com os dois novamente, mas tínhamos medo, pois não queríamos fazer algo menor e decepcionar os fãs. Ao mesmo tempo, não queria criar a mesma fórmula”, diz o cineasta, que enxerga uma ligação entre os filmes. “O tom é diferente. ‘Na Mira do Chefe’ é sobre a relação amorosa entre aqueles personagens, enquanto o novo é sobre o fim dela.” Farrell vai mais longe. “É o lado sombrio do relacionamento”, diz.
Depois de terminar o roteiro que veio de outra ideia, escrita anos antes e totalmente reformulada, o diretor passou por mais três meses de ensaios em Galway. Farrell já havia perdido seu nervosismo com Gleeson, que se antecipou ao colega e perguntou se ele precisava manter distância. “Quando respondi que não, ele me deu um abraço forte. Fiquei muito aliviado”, lembra Gleeson, indicado pela primeira vez na carreira ao prêmio.
Em agosto de 2021, o elenco e a equipe pegaram a balsa para a ilha de Inishmore, que, junto da pequena Achill, serve de cenário para a fictícia Inisherin de 1923. Nela, a produção precisou construir do zero a humilde casa de Pádraic e da sua irmã, Siobhán, vivida por Kerry Condon. Eles também construíram o bar, que funcionou de verdade, oferecendo drinques para os habitantes locais, que ficaram decepcionados quando demoliram o set.
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Neste ambiente controlado e familiar, que se completa com a presença de Dominic, vivido por Barry Keoghan, jovem que sofre ataques violentos do pai policial, o diretor desfila sua costumeira mistura de humor venenoso, personagens apaixonantes e dramas pessoais inusitados.
“Por mais macabro ou engraçado que seja o cenário, há uma autenticidade no núcleo do trabalho de Martin que procura entender a razão de sermos assim, como lidamos com a violência e como sofremos com a solidão”, diz Farrell.
Tudo muda quando Colm promete cortar os dedos caso o amigo continue a procurá-lo. Uma decisão radical que traça um paralelo com o que acontece com a guerra civil irlandesa do outro lado do mar, onde irmãos lutam contra irmãos.
Ou que fala sobre a obsessão pela arte. Só não conte com o diretor para explicar a origem da ideia. “Não sei de onde ela veio. Não planejo nada com antecipação. Só sabia que seria algo chocante”, afirma McDonagh.
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“É a ação mais radical que existe, eliminar a coisa mais valiosa para ele, aquilo que lhe permite expressar sua habilidade artística. Como digo para aquela pessoa me deixar em paz?”, acrescenta Gleeson. “Você deseja que a arte complemente a vida e não que a comprometa”, diz Farrell, um ator que venceu o alcoolismo e pagou outros preços pela fama. “Perdi o nascimento do meu primeiro filho, o enterro da minha avó. São comprometimentos que precisamos encarar, mas prefiro que a arte complete a vida.”
OS BANSHEES DE INISHERIN
Onde Estreia nesta quinta-feira (2) nos cinemas
Classificação 12 anos
Elenco Colin Farrell, Brendan Gleeson, Kerry Condon
Produção EUA, 2022
Direção Martin McDonagh
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