Lá em 2016, uma animação brasileira concorreu ao Oscar de sua categoria. Apesar da imensa qualidade, O Menino e o Mundo não faturou aquela estatueta, pois a Pixar, com o seu Divertida Mente, fez o que se esperava do estúdio e levou o prêmio.
Agora, cerca de sete anos depois, Alê Abreu, talentoso cineasta paulistano, está para lançar a sua mais nova animação: Perlimps (9 de fevereiro nos cinemas), uma aventura de tons fantásticos sobre seres “comuns” com missões extraordinárias.
Em certo momento de Perlimps, Claé, raposa que divide o protagonismo da animação com Bruô, sentencia: “Os Gigantes precisam da guerra. É assim que eles ficam mais gigantes”. Quando olhamos para os dois protagonistas que querem salvar o bosque em que vivem da Grande Onda, é difícil não compreendermos o quão difícil será aquela missão. Tão difícil, inclusive, que nem mesmo Claé e Bruô, logo de cara, são parceiros na jornada.
Ambos, que se auto intitulam agentes secretos dos seus reinos – Reino do Sol e Reino da Lua – por não se conhecerem previamente, possuem dificuldades de colocar as diferenças de lado e somar forças na peleja. Contudo, o destino os reserva uma carga de dificuldades tão grandes que, até mesmo as diferenças acabam somando para a jornada de ambos.
Produzido pela Buriti Filmes, Globo Filmes e a Gloob, e com distribuição nacional da Vitrine Filmes, Perlimps desponta, desde já, como um dos sérios candidatos a disputar uma vaga de Melhor Animação em diversos festivais ao redor do mundo. De repente, quem sabe, até mesmo entrar na disputa para ser um dos indicados do Brasil para tentar a vaga de Melhor Filme Internacional (o antigo Melhor Filme Estrangeiro) no Oscar em 2024.
O trabalho técnico realizado por Alê Abreu, ele mesmo um animador, e a sua equipe, salta aos olhos em cada frame de Perlimps. Do início ao fim da obra, que possui um pouco menos de 90 minutos, a impressão é que estamos diante de uma extasiante galeria de arte em forma de um longa-metragem. As cores, os detalhes e todo o acabamento visual da animação mostra que o cinema nacional, no gênero das animações, não precisa de milionários investimentos como se vê nos filmes da Pixar, Disney, DreamWorks e tantas outras.
Nesse sentido, o que Alê Abreu e seu time consegue aqui, nos aproxima, em termos de animação, com o que faz o Japão com as obras do Studio Ghibli. Guardadas as devidas proporções, Alê Abreu pode capitanear o barco brasileiro se ser o nosso Hayao Miyazaki, liderando equipes competentes, emocionalmente comprometidas e com vastos talentos que, além de nos distanciarem da animação tradicional hollywoodiana, poderia marcar as nossas produções com um saber-fazer totalmente nacional.
Claé e Bruô são desenhados emocionalmente para serem como são
A maneira como Perlimps estabelece o background da sua dupla de protagonistas é invejável. Se Claé é retratado sempre com ansiedade e com certo alvoroço em suas ações e falas, Bruô é mais contido e espirituoso. Até mesmo nas cores de ambos, temos uma representação fidedigna das suas personas. Enquanto Claé é essa raposa enérgica e alaranjada em sua cor (cor mais quente), Bruô, um ser mais introspectivo, é um urso azulado (cor mais fria).
O brilhantismo da forma dando profundidade ao conteúdo não para por aí. Claé, por exemplo, é alguém que pode ser qualquer um de nós: durante boa parte do filme, ele está com um dispositivo tecnológico que ele precisa constantemente estar checando. Poderia ser qualquer um de nós com um smartphone. Já Bruô, não parece se ligar com os aparatos tecnológicos. Para ele, as verdadeiras conexões são representadas pelas coisas mais simples, espirituosas e naturais. Em ao menos dois momentos, vemos essa diferença entre ambos ser tracejada diante de nós. São momentos que unem o belo e o efêmero bem diante dos nossos olhos.
Há ainda, por volta do segundo ato do filme, uma participação especial que apenas colore o filme com uma carga de profundidade ainda mais interessante. Na voz de Stênio Garcia, há um personagem que aparece de surpresa e que marca, mesmo com seus poucos minutos em tela, a vida de Claé e Bruô, além de embelezar ainda mais a história que está sendo contada, inserindo ainda mais profundidade antes de sermos direcionados ao terceiro e último ato de Perlimps.
Alguns fins também são começos
Em um determinado momento da animação, sua beleza, tão plasticamente vivaz e acalentadora, nos joga de volta no terreno da realidade para mostrar, também, o lado mais cruel. É a missão da dupla que se aproxima do seu derradeiro fim.
Ainda assim, com o seu quê ambiental que aflora ao longo de todo o filme, Perlimps nos entrega um enredo que, embora possa ser considerado singelo em sua natureza fílimica – seres menores combatendo um mal maior –, não deixa de carregar toda uma filosofia dos últimos tempos, a estranheza do fim e a aceitação (ou não) da nossa missão terena de resguardar e fazer perdurar, o chão em que pisamos, o mar que reflete nossos rostos e o céu que nos encobre.
O duo de protagonistas poderia muito bem seguir sua aventura em uma continuação. Ao fim, há algo de agridoce no desfecho de Perlimps. O desfecho da história não deixa de ser um novo começo para Claé e Bruô, já que o filme guarda um segredo importantíssimo sobre ambos, que só é revelado nos minutos finais.
Se há algo que a “raposa” e o “urso” (as aspas são intencionais e só vendo o filme será possível se saber o porquê delas) deixam como legado é a necessidade de, mesmo menores, mesmo ínfimos, a nossa esperança de mudar o que está aí precisando se agigantar diante de qualquer possibilidade de erro, caminho árduo ou mal que se apresente diante de nós.