Home Entreterimento Gloria Maria foi repórter pioneira na TV e na luta contra racismo

Gloria Maria foi repórter pioneira na TV e na luta contra racismo


Primeira repórter negra a se destacar na televisão brasileira, ela se orgulhava de ser uma das pioneiras a usar a Lei Afonso Arinos

Entre as inúmeras histórias que gostava de relembrar, a jornalista e apresentadora Gloria Maria, que morreu na quinta, 2, aos 73 anos, de metástase cerebral proveniente do câncer de pulmão, destacava duas.

Na primeira, mais dolorida, envolvia o ex-presidente João Baptista Figueiredo (1918-1999): “Foi quando ele fez aquele discurso dizendo ‘eu prendo e arrebento’. Na hora, o filme acabou e não tínhamos conseguido gravar. Aí eu pedi: ‘Presidente, é a TV Globo, o Jornal Nacional, será que o senhor poderia repetir? Problema seu, eu não vou repetir’, disse Figueiredo. Onde eu chegava, o ex-presidente dizia para a segurança: ‘Não deixa aquela neguinha chegar perto de mim’”, relembrou ela, em depoimento à Memória Globo.

Em outro momento, a tragédia também parecia anunciada: Gloria se preparava para entrevistar Madonna, quando soube que teria apenas 4 minutos. O nervosismo aumentou quando descobriu que a cantora havia debochado de Marília Gabriela e sua forma de falar em inglês. Diante da diva, Gloria foi direta: “Madonna, eu tenho quatro minutos, vou errar no inglês, estou assustada, acho que já perdi os quatro minutos”, disse. Madonna abriu um sorriso e, virando-se para sua equipe, determinou: “Deem o tempo que ela precisar”.

Primeira repórter negra a se destacar na TV brasileira, Gloria Maria não tinha uma técnica específica de trabalho. “Sou uma pessoa movida pela curiosidade e pelo susto. Se eu parar para pensar racionalmente, não faço nada. Tenho de perder a racionalidade para ir, deixar a curiosidade e o medo me levarem, que aí eu faço qualquer coisa”, contou ela ao Memória Globo, departamento da emissora que arquiva histórias de seus profissionais.

Barreiras

Essa disposição alimentada pela curiosidade e até pelo susto despertava uma rara cumplicidade com o espectador, que confiava fielmente em suas informações. Isso permitiu que Gloria derrubasse barreiras e consolidasse seu pioneirismo na televisão, especialmente na Globo, onde trabalhou praticamente durante toda a sua carreira.

Foi a primeira repórter, por exemplo, a entrar ao vivo no Jornal Nacional na transmissão da primeira matéria em cores do noticiário, em 1977, mostrando o movimento de saída de carros do Rio, em um fim de semana.


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No mesmo ano, cobriu a posse do presidente americano Jimmy Carter em Washington. Logo foi destacada para coberturas relevantes, como a Guerra das Malvinas (1982), a invasão da embaixada japonesa no Peru por um grupo terrorista (1996), Olimpíada de Atlanta (1996) e a Copa da França (1998).

Selinho

Na emissora, tornou-se conhecida pelas matérias especiais e viagens a lugares exóticos, especialmente a partir de 1986, quando passou a integrar o Fantástico, programa do qual foi apresentadora entre 1998 e 2007. Gloria entrevistou celebridades como Michael Jackson, Harrison Ford (de quem enxugou o rosto), Freddie Mercury, Nicole Kidman, Leonardo DiCaprio e Mick Jagger, com quem trocou um selinho.

Gloria foi ainda importante em assuntos decisivos como raça. Primeira repórter negra a se destacar na televisão brasileira, ela se orgulhava de ser uma das pioneiras a usar a Lei Afonso Arinos, de 1951, que incluía a discriminação racial entre as contravenções penais.


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Ela contou, em uma postagem no Instagram de 2019, que, ao ser impedida de entrar pela porta da frente em um hotel no Rio, em 1970, processou o gerente, que dizia que negro não poderia entrar por ali. Gloria chamou a polícia, o gerente foi processado e, por ser estrangeiro, acabou expulso do País.

Para pessoas pretas, principalmente as mulheres, ver Gloria no Jornal Nacional, entrevistando políticos e celebridades, era motivo de orgulho e de um sonho possível. Seu pioneirismo foi reconhecido como inspiração. “Gloria mostrou que uma mulher preta podia estar na TV”, diz a apresentadora Cris Guterres, da TV Cultura.

Apesar da disposição física, sua saúde começou a fraquejar. Em 2019, Gloria foi diagnosticada com um câncer de pulmão, tratado com sucesso com imunoterapia. Sofreu metástase no cérebro, tratada em cirurgia, também com êxito inicial. Em meados do ano passado, a jornalista iniciou mais uma fase do tratamento para combater novas metástases cerebrais, mas que não surtiu o efeito esperado e Gloria morreu na manhã de quinta-feira.

Deixou duas filhas, Maria, de 15 anos, e Laura, 14, que foram adotadas em 2009, na Bahia, onde a jornalista esteve para realizar trabalho voluntário em um orfanato.


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Estadão Conteúdo



Via R7.com

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