terça-feira, fevereiro 25, 2025
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Grande Rio quer ganhar público do Sambódromo com encantarias do Pará


A história que a escola de samba Acadêmicos do Grande Rio vai mostrar este ano, na Marquês de Sapucaí, foi transmitida de geração a geração nos terreiros de tambor de Mina da Amazônia paraense. Tudo começa com a chegada de três princesas turcas à Amazônia, em busca de cura.

“É uma história de matriz oral que narra a saga de três princesas turcas que se encantaram em alto mar, atravessaram o espelho do encante, não experienciaram a morte e se tornaram entidades encantadas. Elas aportam em território brasileiro e se ‘ajuremam‘ no coração da floresta, ou seja, experienciam os ritos da Jurema Sagrada [religião que mistura elementos afros e indígenas], transformando-se em animais de poder”, disse o carnavalesco Leonardo Bora, em entrevista à Agência Brasil,.


Rio de Janeiro (RJ), 24/02/2025 - Carnavalesco da escola de samba Grande Rio, Leonardo Bora. Foto: leonardo.bora/Instagram
Rio de Janeiro (RJ), 24/02/2025 - Carnavalesco da escola de samba Grande Rio, Leonardo Bora. Foto: leonardo.bora/Instagram

“É uma história ainda não contada no Grupo Especial do Rio de Janeiro, diz Leonardo Bora, carnavalesco da Grande Rio,: . Foto:  leonardo.bora/Instagram

Junto com Gabriel Haddad, mais uma vez à frente da escola verde, branco e vermelho, de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, Bora falou sobre a importância das princesas no enredo Pororocas Parawaras: as águas dos meus encantos nas contas dos curimbós, tema da escola neste ano.

“As princesas  são as protagonistas da Mina paraense. São as entidades mais queridas do Tambor de Mina do Pará e celebradas, reverenciadas pelos carimbós.São as protagonistas da Mina paraense. as entidades mais queridas do Tambor de Mina do Pará, celebradas e reverenciadas pelos carimbós. Por mestres como Dona Onete, cuja música Quatro Contas é a espinha do enredo, o que conduz poeticamente a nossa narrativa, já que nessa composição, Dona Onete saúda as três belas turcas como suas protetoras e também a cabocla Jurema”, completou.

Como nos últimos anos, a escola apresenta um tema de importante discussão, mas nem tão conhecido. “O carnaval carioca sempre teve esse compromisso, a tradição de apresentar ao grande público e ao mundo histórias do nosso povo, da pluralidade brasileira, da diversidade socio cultural brasileira. Eu e o Gabriel entendemos que estamos nessa trajetória. Sempre que escolhemos um enredo, procuramos um enfoque diferenciado, um recorte específico, entendendo à potência disso e à importância do enredo, a reverberação que ele pode ter e o acesso a diferentes públicos , explicou.

Bora acrescentou que o processo de construção do enredo para 2025 – Pororocas Parawaras: as águas dos meus encantos nas contas dos curimbós – segue um pouco essa ideia.

“É uma história ainda não contada no Grupo Especial do Rio de Janeiro. Uma história muito presente nos terreiros da Mina Paraense, que é um complexo religioso fascinante, uma mistura de religiões de matriz africana com religiões dos povos originários brasileiros, indígenas. Então, é um enredo de muita mistura. A própria ideia de pororoca já é isso. A pororoca é o encontro das águas dos rios da Amazônia com as águas salgadas do oceano. O enredo todo é baseado nessa ideia de mistura, de hibridação e é isso, com esse espírito que a Grande Rio vai navegar bastante na Sapucaí.”

Enredo

O enredo é dividido em cinco setores. O primeiro, que é a abertura do desfile, começa em meia viagem, já no oceano.

“É o processo de encantamento das princesas, o atravessamento do espelho do encante. A travessia encantada como o samba de enredo canta. O segundo setor é a chegada da energia ao Brasil. A gente canta a ideia de barreira do mar, como a própria Dona Onete menciona em Quatro Contas, que é o encontro das águas da Amazônia com as águas oceânicas.”

As princesas são saudadas como as pororocas, porque elas protegem a floresta. As pororocas são as ondas gigantes que quebravam as embarcações dos invasores. “Neste setor, a gente mostra o encontro dessa energia com a energia das civilizações extraordinárias que habitaram o solo parawara, como a civilização marajoara. A força que vem do barro e brota da argila que também é água. O samba canta Quem é de barro, no igapó, é Caruana. É isso que o segundo setor mostra”, comentou.

Ao entrar no coração da floresta, o terceiro setor vai mostrar a aproximação das princesas com a cultura da Jurema Sagrada e a conexão delas com outros seres encantados e fantásticos que habitam o imaginário ribeirinho das matas da Amazônia. “É o setor do boto, boiuna, entidades que também são saudadas no nosso samba de enredo e na transformação das princesas em animais de poder: a arara cantadeira, a onça, a jiboia e a borboleta azul.

No quarto setor, a escola vai mostrar a formação da Mina Paraense, um complexo religioso, segundo o carnavalesco, que une influências religiosas muito diversas. “É o setor que a gente saúda no refrão de cabeça do samba: É força de Caboclo, Vodun e Orixá. A gente utilizou bastante para a concepção os diálogos do tambor de Mina Dois Irmãos, que é o mais antigo do Pará, localizado em Belém”, afirmou.

A Grande Rio vai encerrar o desfile mostrando como a história se transforma em carimbó. “Contamos o destino das princesas, celebramos os curimbós, que são os tambores que dão ritmo ao carimbó. No nosso entendimento, eles são a voz dos encantados guiados pela melodia de Quatro Contas., essa mistura de doutrina de santo com o carimbó da dona Onete. Vamos mostrar como mestres e mestras saúdam esse imaginário com uma grande festa, um banho de cheiro, um grande carnaval sobre as águas da Amazônia, águas de Nazaré como Dona Onete canta”, concluiu.

Princesas turcas

Bora afirma que, para a dupla de carnavalescos, é muito importante que alma e espírito do enredo sejam entendidos. Por isso, comemorou o envolvimento de pessoas que conhecem e defendem essa cultura.

“É um enredo em cujo processo a gente conseguiu agregar os atores sociais profundamente envolvidos com esse imaginário e talvez não seja um imaginário tão conhecido do público do carnaval carioca. As religiões de matrizes africanas da Amazônia foram pouquíssimas vezes mencionadas pelas escolas de samba. É um imaginário distante da gente, no entanto, é o cotidiano das populações ribeirinhas, de todo mundo que admira essas histórias, essas narrativas da Mina em um estado tão múltiplo como o Pará”, disse.

Entre as pessoas que ajudaram, estão as artistas que vão representar as três princesas turcas na avenida. “Procurmos agregar ao máximo atores sociais, ao longo dos processo de pesquisa, muito baseados na escuta. Pessoas como a Fafá de Belém, a Dira Paes e a cantora Naieme são artistas que cantam os imaginários amazônicos, que levam isso para o mundo todo, que trabalham com essas narrativas de diferentes formas. A Rafa Bqueer, pesquisadora também convidada, nos auxiliou bastante durante o processo de construção de narrativa deste enredo. Ela é uma artista paraense que, de saída, conhece muito bem esse vocabulário, que não é só de palavras, mas de sentidos de vivência bem expresso no samba”, destacou.

Princesas

No desfile da Grande Rio, cantora Fafá de Belém vai representar a princesa Mariana, a mais velha das três princesas, que se apresenta na figura da arara cantadeira. A princesa Herondina, que é a do meio, e simboliza a onça, terá na avenida a atuação da atriz Dira Paes. A terceira, mais nova, Jarina, representada pela jibóia e pela borboleta, será a cantora Naieme.

Fafá, que sempre divulga e defende a cultura paraense, adorou o convite. “Recebi com muita alegria, porque é uma lenda que nos acompanha desde a infância”, disse a cantora à Agência Brasil.

Ela afirmou que é comum, no seu estado, as mulheres se identificarem com as princesas. “Todas nós mulheres paraenses temos uma aliança muito forte com as três princesas. É uma coisa dos nossos tambores, porque é desse povo da encantaria; não é nem macumba, nem candomblé”, explicou.

A satisfação com o convite foi maior quando soube que representaria Mariana. “Fiquei muito feliz, ainda mais, de vir como a cabocla Mariana, que é uma referência muito forte na minha vida, assim como todas as outras entidades femininas com as quais me identifico. A cabocla Mariana é tipo minha parceiraça”, disse sorrindo.

Samba

Para contar a história, Leonardo Bora está confiante no samba escolhido para este ano. “É um samba muito especial, composto por uma parceria ligada a uma escola de samba de Belém, a Deixa Falar. Entre os compositores tem um mestre de carimbó, o Mestre Damaceno. Achei muito bonito a Fafá estar encantada com o processo, que é a palavra que a gente mais usa. A gente quer que seja um desfile encantado, estamos falando de encantaria. O que esperamos é que a Grande Rio encante a avenida, que todo mundo mergulhe nessas águas encantadas, assim como a Fafá já mergulhou.”

O carnavalsco destacou que Dona Onete é uma artista que também canta muito esses imaginários, assim como o mestre Verequete, outro nome fundamental quando se pensa no complexo cultural do carimbó. “Cantou esse imaginário, o nome dele é o nome de um vodum, é quem reúne a cantaria segundo a tradição do tambor de mina”, relatou.

Se tudo isso vai levar à conquista de mais um título como o de 2022 com o enredo Fala, Majeté! Sete Chaves de Exu, a depender do esforço que foi feito no barracão essa possibilidade é forte.

“Sempre trabalhamos esperando o melhor, e nenhum artista vai falar que não deseja que sua escola, que seu trabalho seja campeão. Afinal, é uma competição, e nós trabalhamos para isso. Esperamos excelente resultado, mais do que tudo ,fazer desfiles definitivos, que marquem de alguma forma a memória desse coro coletivo, que representa uma cidade inteira, tão apaixonada, tão aguerrida, que é a cidade de Duque de Caxias. A comunidade da tricolor, que está sedenta por esta vitória, deseja muito alcançar a segunda estrela, a primeira foi conquistada em 2022, que saudou Exu, essa energia tão múltipla, a força que arrebatou a avenida.”

COP

O fato da escola fazer um desfile com este enredo, justamente no ano da realização da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, a COP 30, no Pará, faz sentido para o carnavalesco.

“É importante para a gente pensar nas questões planetárias, isso passa pela valorização das comunidades tradicionais, dos saberes de matriz oral e, no caso específico do nosso trabalho, meu e do Gabriel, é uma continuada. A gente felizmente vem conseguindo dar continuidade a um pensamento maior, a uma linha de raciocínio que vem se desdobrando os enredos que sempre olham para diferentes territórios.”

A cantora Naieme, que será uma das princesas no enredo, e ficou extremamente feliz de ver sua cultura ser valorizada, destacou a importância do enredo em ano de Cop 30, em Belém, quando os olhos do mundo se voltam para a Amazônia.

“Trazer essa narrativa mágica para o carnaval do Rio de Janeiro, de forma lúdica e riquíssima, para a Marques de Sapucaí, a mensagem que fica de lição é: ‘Sim, nós podemos! Sim, que essa mensagem de preservação, valorização da floresta em pé, da manutenção da cultura e da vida de mestres e mestras, da valorização e perpetuação dos saberes ancestrais sejam mantidos por gerações, que possamos, através desse enredo, ensinar educar, informar ao nosso povo brasileiro a importância de conhecermos e valorizarmos as manifestações culturais do nosso país”, disse à Agência Brasil.

“A Amazônia não é só um grande manto verde. Embaixo do verde há pessoas, suas histórias, suas mazelas, suas tradições. A Amazônia é uma mulher que pariu seus filhos e filhas, suas crenças, histórias, vivências, que tem a sua própria espiritualidade, seu jeito de fazer cultura, música, dança, comida, tudo isso é muito importante de ser difundido. Estou feliz da vida de poder ver e viver esse momento”, disse.

Naieme recordou que a cultura paraense já foi mostrada por outras escolas em desfiles bem sucedidos. “Nossa cultura já esteve na avenida outras vezes sendo campeã, temos tudo para arrepiar a Sapucaí e mostrar a força da nossa encantaria. Como dizem em Caxias, podemos.”

Força da Grande Rio

Bora lembrou enredos que marcaram a linha adotada por ele e por Gabriel Haddad. “ A gente olhou para Gomeia [Joãozinho da Gomeia, que era negro, nordestino, gay, espírita, dançarino e sofreu perseguição política e religiosa], para os subúrbios cariocas com o Zeca Pagodinho, olhou para a presença tupinambá nesse Brasil, que é a terra indígena, e agora, mais profundamente, para Amazônia paraense, para a argila do solo, ancestral marajoara e para os terreiros de tambor de mina que também são giras, rodas de carimbó”, afirmou.



Via Ag Brasil

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