Estimular a reflexão por meio do diálogo, debater opiniões divergentes e desenvolver as habilidades argumentativas dos alunos a partir do estudo da lei. Estes eram os objetivos iniciais da professora Thayuska Santos Soares, no início do semestre letivo, quando idealizou uma abordagem diferente para suas aulas de geopolítica: júris simulados com as turmas da 2ª série do ensino médio, do Colégio Estadual Cívico-Militar Yvone Pimentel, em Curitiba.
Propostas como metodologia alternativa ao método de ensino tradicional, as atividades conquistaram forte engajamento entre os estudantes que, por meio das simulações, têm desenvolvido maior senso crítico, além da percepção da importância do debate de questões relacionadas aos direitos humanos, principalmente, diante de conflitos sociais.
A ideia surgiu no final do ano passado. “Estudando a grade curricular de Geografia de 2023, me chamou a atenção a unidade temática relativa aos direitos humanos. Logo imaginei que seria mais interessante aos alunos uma atividade prática, na qual eles próprios atuassem como protagonistas”, relembra Thayuska. Com apoio da direção da escola, as simulações entraram para o rol de avaliações do semestre, cujo critério é a participação e envolvimento dos estudantes na atividade.
O JÚRI – Nos mesmos moldes de um julgamento real, as simulações começam com os ritos tradicionais. Neste caso, interpretado por um dos professores da escola, o “juiz” dá início à sessão com o cumprimento de praxe. “Bom dia, senhoras e senhores, declaro instalada e aberta esta sessão do Tribunal do Júri”, anuncia, da bancada.
Posicionados à esquerda do plenário, os alunos designados como advogados da defesa. À direita, os “representantes do Ministério Público”. Presentes na sessão também estão escrivão, jurados, testemunhas e réu. Este último, propositalmente, figura pública acusada de cometer crimes contra os direitos humanos. O da vez é Augusto Pinochet, ditador chileno acusado, entre outros crimes, de golpe antidemocrático, sequestros e torturas entre os anos de 1973 e 1990, nos quais esteve à frente do governo militar, no Chile.
Nos 40 minutos seguintes, o auditório da escola assume, definitivamente, os moldes de um julgamento. O arrolamento de testemunhas, as sustentações orais, as réplicas, as tréplicas e os protestos: cada ato protagonizado pelos próprios alunos e acompanhado pelo olhar cuidadoso da professora Thayuska.
“A proposta da atividade, desde o início, é que os estudantes escolham de que lado vão atuar e, com base no estudo da legislação brasileira, desenvolvam suas argumentações a fim de convencer os jurados. Meu papel resume-se em conduzir a atividade e apontar os textos da lei nos quais as teorias podem ser embasadas”, explica.
Segundo a professora, a ideia é promover o debate como se, de fato, o réu ainda não tivesse sido julgado “no mundo real”. “Tudo depende do poder de argumentação e do conhecimento legal das partes. Desta forma, o réu pode ser condenado ou absolvido, de acordo com o poder de convencimento diante do juiz e dos jurados”, diz.
Considerada metodologia ativa de ensino, na qual o aluno é colocado como protagonista do processo de aprendizagem, os júris simulados têm promovido verdadeira transformação na rotina dos estudantes. “No modelo tradicional de ensino, o professor atua como único detentor do conhecimento. Em atividades como esta, o conhecimento fica nas mãos do aluno, que desempenha papel ativo durante toda a aula. Incentivado a questionar, pesquisar e trilhar sua própria percepção, o aluno desenvolve ferramentas importantes para a formação intelectual, cívica e social”, afirma a diretora da instituição, Maira Dalsante Hara.
METODOLOGIA – No júri simulado, assim como no rito oficial, o juiz tem a função de organizar o julgamento intervindo, quando necessário, para que ocorra de acordo com a determinação legal. “Para este papel, contamos com a ajuda de um colaborador da escola, normalmente um dos professores auxiliares. A eles cabe garantir que cada uma das partes faça suas exposições, dentro daquilo que foi combinado. Ao fim da atividade, o juiz estipula a pena de acordo com a decisão dos jurados”, explica Thayuska.
Apesar de essencial para a atividade, a presença física de um acusado, ou réu, é opcional. “Tendo em vista fomentar o estudo da lei e o aprofundamento na questão dos direitos humanos, escolhi nomear, propositalmente, réus que tenham sido figuras históricas, públicas e que tenham comprovadamente cometido crimes que ferem os direitos humanos. Para o nosso júri simulado, optamos por realocar os alunos apenas em defesa e acusação, sem a presença física do réu”.
Segundo a professora, já passaram pelas bancadas do colégio nomes como Bashar al-Assaad (ditador da Síria), Kim Jong-un (ditador da Coreia do Norte), entre outros.
Para a implementação da acusação, os alunos que se identificam com o papel da promotoria são incumbidos de desenvolver as sustentações do Ministério Público. Os promotores devem coletar informações, arrolar provas e elaborar uma argumentação a fim de condenar o réu. No júri simulado, os estudantes ficam responsáveis por esta acusação de forma convincente, com base nas tipificações elencadas na legislação brasileira.
“Com isso, os alunos têm acesso ao texto legal e desenvolvem os primeiros contatos com a legislação brasileira e com os principais princípios da Constituição Federal, que é de leitura obrigatória para a atividade”, explica Thayuska.
No outro polo argumentativo, os advogados de defesa buscam convencer o júri da inocência do acusado. “No júri simulado a defesa coleta informações, elenca provas e redige a argumentação, a fim de demonstrar que o acusado é inocente. Muitas vezes o poder argumentativo é tão bem desenvolvido que os jurados absolvem os réus”, afirma.
Foi o caso do julgamento de Pinochet, cuja defesa foi desempenhada pelo aluno Pedro Henrique Machado, que atuou como advogado. “Para a construção da tese argumentativa a equipe estudou a Constituição Federal e a legislação internacional dos Direitos Humanos. Além de filmes e séries sobre o assunto. Não foi fácil defender um criminoso, mas conseguimos rebater uma a uma as acusações levantadas pelo Ministério Público e absolver o réu”, afirmou o estudante.
Participam ainda testemunhas, que prestam informações sobre os fatos relacionados à infração sob o compromisso de dizer a verdade, e os jurados, que analisam os argumentos expostos e chegam a um veredicto, decidindo se o réu é culpado ou não.
“A atividade foi tão bem recebida na escola que alunos de outras séries quiseram assistir aos júris e pediram para que atividades semelhantes fossem realizadas em suas turmas”, diz Maira. Para Thayuska, tal reconhecimento é a comprovação do sucesso da atividade, que deve ganhar novas edições ao longo dos próximos meses. “Explorar novas habilidades e fazer contato com a prática argumentativa fomentou a motivação dos alunos, além de promover autonomia, senso de pertencimento, capacidade de resolução de problemas e, principalmente, a autoconfiança”, afirma.
“Sempre pensei em seguir a carreira jurídica. Depois de vencer como advogado de defesa, tenho certeza que é o caminho que desejo seguir”, afirma Pedro Henrique.