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Profundamente filosófico e selvagem, filme na Netflix vai te levar para dentro e te perturbar por semanas


Jovens enfrentam as tantas dificuldades da vida de um jeito bastante singular. A inexperiência mascarada pelas roupas largas ou justas demais, cabelos extravagantes e penduricalhos espalhafatosos, o gosto por músicas barulhentas e, claro, a reivindicação de uma liberdade sem parâmetros, absoluta — quase sempre sem a justa contrapartida e o devido merecimento — vem embalada do jeito mais docemente lírico, na ânsia pelo sonho, se encontrando e perdendo-se em suas quimeras de perfeição. Diligente em apreender as inquietações desse público num segmento muito específico da vida, o australiano Nabil Elderkin registra as incorreções de corpos e mentes em irrefreável mutação, de almas que sofrem por tudo e por nada ao se deparar com sua natureza finita, num filme perturbador. “A Gangue” não deixa de ser uma canção sobre o ser e o nada da condição humana, particularmente numa fase em que partimos feito leões há muito enjaulados para cima da vida, sem saber muito bem em que medida a efervescência de nossos pleitos terá de submeter-se à necessidade da renúncia, mais e mais presente conforme os anos se sucedem.

A cabeça buliçosa por trás de videoclipes de músicos-símbolo do novo pop americano, a exemplo de Bruno Mars, John Legend e The Weeknd, o diretor tece críticas mordazes ao longo dos concisos 85 de seu filme, narrativa acelerada de poucos respiros, mas atenta à organicidade rítmica da história. Marcus J. Guillory, por sua vez, define essa cadência no roteiro como se tivesse observado previamente os movimentos de personagens do mundo real, transpostos com assombrosa fidedignidade para o enredo. Composta de três garotos negros e um branco, todos pobres, a gangue do título emula a integração racial possível nos Estados Unidos, um país que preza e incentiva a liberdade e o destemor na busca por tornar reais as aspirações por uma vida melhor ao passo que afunda-se na inexpugnável desarmonia entre o discurso e o gesto, que chega ao século 21 apartando filhos de uma mesma mãe, negligente, omisso, paralisado pelos discursos odientos e pelas práticas inócuas que não os podem manter sob controle e tanto menos dinamitá-los.

Kelvin Harrison Jr. continua dando vida a um personagem cuja flagrante perturbação mental casa perfeitamente com o cenário de desajuste da sociedade que o isola — e cuja hipocrisia não tem o menor interesse em coonestar. As semelhanças entre Jesse, o taciturno guia intelectual do quarteto sobre o qual Elderkin se debruça, e Luce, o personagem-título do drama de Julius Onah, de 2019, não se resumem a serem ambos gêniozinhos desconhecidos criados por brancos — no caso de Jesse, apenas pelo pai, Charlie, de John Corbett. Em ambas as situações, o que se tem são jovens negros que se percebem totalmente deslocados (ainda que Luce leve um pouco mais de tempo para cair na real, talvez amaciado pelo excelente padrão de vida oferecido pelos pais que o criaram), se cansam de ter de pedir licença para serem quem de fato são e acabam por virar o jogo a sua maneira, não necessariamente do modo mais aconselhável.

Calvin, vivido por Jacob Latimore; Nicky, de Charlie Plummer; e Jonathan Majors como Greg, o contraponto mais destacadamente agressivo à passividade de Jesse, entram em cena a fim de proporcionar arcos dramáticos novos, mas que de uma forma ou de outra, resvalam no protagonista numa releitura de “Laranja Mecânica” (1971), de Stanley Kubrick (1928-1999), transposta para a periferia da Los Angeles pós-moderna. Meio século se passou, mas tudo permanece tão confuso como sempre.


Filme: A Gangue
Direção: Nabil Elderkin
Ano: 2019
Gêneros: Drama/Crime
Nota: 8/10



Via R7.com

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