A prospecção para definir novas trilhas em regiões onde as cidades desenvolvem projetos de turismo ecológico vem contribuindo para a recuperação da vegetação da Mata Atlântica, que também traz de volta animais aos seus ambientes naturais. A descoberta de novas trilhas tem mais uma consequência positiva: consegue afastar caçadores na medida em que os visitantes acabam se apropriando dos locais que antes eram explorados indevidamente.

Todo esse trabalho tem recebido cada vez mais apoio e, além de organizações não governamentais (ONGs) como o Caminho da Mata Atlântica, as populações locais se envolvem. Elas participam de reuniões que definem a  região a ser visitada para verificar se ali pode surgir mais uma trilha.

O coordenador nacional da comissão de governança do Caminho da Mata Atlântica e consultor do Caminho do Recôncavo junto ao Movimento Viva Água, Chicão Schnoor, disse que já é um dado histórico comprovado, que quando uma trilha é aberta para turismo afasta outros usos ilegais. “Quanto mais fomentarmos um turismo consciente, responsivo e regenerativo no território, mais se consegue que ele seja melhor preservado e gere renda para as populações locais”, disse à Agência Brasil.

Chicão afirmou que neste momento estão sendo implementadas duas trilhas de longo curso, na Baixada Verde, nome dado atualmente pelos ambientalistas à Baixada Fluminense ao redor da Baía de Guanabara. Eles são o Caminho do Recôncavo da Guanabara e o Caminho da Mata Atlântica.

Vista da mata atlântica na Floresta da Tijuca, no Rio de Janeiro

Vista da mata atlântica na Floresta da Tijuca, no Rio de Janeiro – Tomaz Silva/Agência Brasil

“Para isso, estamos conversando com as populações locais, validando com eles os roteiros, os locais de parada e, a partir daí, procurando o poder municipal para ter esse apoio, que já está vindo também. Falta ainda uma divulgação desse roteiro para que as pessoas saibam que existe e comecem a usufruir dele, para fortalecer o turismo local. Falta uma estruturação dos parques locais que não têm portaria, poucas equipes e pouca capacidade de fiscalização”, disse o coordenador.

“Quanto mais puder apoiar e fortalecer o Refúgio da Serra da Estrela, o Parque Estadual dos Três Picos, o Parque Nacional da Serra dos Órgãos, a Área de Proteção Ambiental (APA) de Petrópolis, a APA de Suruí, a Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS] da Serra de Estrela e tantos outros, a gente consegue, a partir da divulgação e da reestruturação deles, cada vez mais trabalhar para que esse turismo seja responsivo e regenerativo no espaço”.

Schnoor propôs a divulgação de campanhas para incentivar o conhecimento das áreas de preservação. “É interessante pensar em campanhas que aproximem a população das unidades de conservação, mostrando como elas são benéficas no território e como a gente precisa desses serviços ambientais” disse, destacando que o projeto Movimento Viva Água, desenvolvido pela Fundação Boticário, no entorno da Baía de Guanabara, que chama atenção para as bacias e montanhas da região, tem serviços ambientais fortíssimos como a regulação de temperatura, da água e da erosão.

Parnaso

Conforme o coordenador, Magé é o único município dos que compõem a área do Parque Nacional da Serra dos Órgãos (Parnaso) que não conta com uma sede de entrada e postos de fiscalização como já tem Petrópolis, Teresópolis e Guapimirim. De acordo com ele, a expansão da área do Parnaso avançou para Magé em grande parte, o que por um lado pode ser bom, mas ao mesmo tempo se transformou em área intangível que não pode receber visitação e tornou-se restritiva, enquanto há um potencial muito grande ter renda por meio do turismo responsável, criando um zoneamento do parque com a estruturação dos atrativos de Magé.

“Junto com a prefeitura de Magé, estamos debatendo com responsáveis pelo parque a melhor maneira de abrir uma portaria e mudar o zoneamento, para que a população de Magé e turistas possam vir para esse município e aproveitar o Parque Nacional da Serra dos Órgãos”, observou.

Chicão revelou que chegou a fazer a prospecção de uma trilha, após avisar aos responsáveis pelo parque, mas como atingia a área intangível não pôde consolidá-la. “Esse trecho tinha cachoeiras, grutas, mirantes, dois jequitibás centenários. É uma trilha fechada e quem faz ela são os caçadores. Encontrei um acampamento de caçadores ilegal. Quando o turista não vem, o caçador vai. Isso já foi provado, quando o Parnaso foi fechado na parte alta que estava cheia de caçadores. Tem histórico do próprio parque. Em vez de fechar e deixar o caçador vir, vamos abrir e chamar os turistas para conhecerem e chamar as escolas para fazer educação ambiental. Esse é o papel de um parque nacional e é isso que o Parnaso tem que fazer em Magé”, defendeu.

Planejado em 2012 como roteiro macro de trilhas, o Caminho da Mata Atlântica já aumentou o planejamento em mais de mil quilômetros. Segundo o coordenador, os novos rumos de caminhadas são definidos após conversas com populações locais, procurando desvios mais interessantes para atrair turista, Por isso, toda definição de nova trilha começa com uma reunião com a comunidade local, mostrando o traçado planejado em 2012. É assim que o Caminho da Mata Atlântica vai ganhando extensões, como a parte que atualmente passa pela Guia de Pacobaíba, em Magé.

Turista observa a vista no mirante da Vista Chinesa dentro da mata atlântica na Floresta da Tijuca, no Rio de Janeiro

Turista observa a vista no mirante da Vista Chinesa dentro da mata atlântica na Floresta da Tijuca, no Rio de Janeiro – Tomaz Silva/Agência Brasil

“A partir de reuniões com a comunidade local, o Caminho começou a passar aqui. Esse trabalho é demorado. Tem lugar que a gente chega e está simples, mas tem lugar que a gente chega e está complexo. Há lugares que avançam, outros não. A gente vai pouco a pouco. O Caminho da Mata Atlântica é uma trilha muito grande, são 4.300 quilômetros (km). A gente já tem 800 km sinalizados, hotéis e guias cadastrados como parceiros oficiais para apoio do Caminho, mas como é um quebra-cabeças de várias trilhas já existentes, pode ser feito completo se alguém quiser”, afirmou.

Já o Caminho do Recôncavo da Guanabara, seguindo Schnoor, é baseado em iniciativa com a possibilidade de um traçado que ainda não foi mapeado. Nesse caso, é preciso fazer primeiro uma prospecção de campo, antes de se ter uma prospecção de pessoas. A próxima é verificar a rota que pode ser realizada entre a Reserva Ecológica de Guapiaçu (Regua), em Cachoeiras de Macacu, e a Ecovila El Nagual, em Santo Aleixo, em Magé.

Acessibilidade

A definição das trilhas passa ainda pelo grau de dificuldade que ela representa. Enquanto uma pode ser de fácil acesso aos visitantes, outra pode apresentar desafios, principalmente a quem não está acostumado a fazer as caminhadas. São obstáculos que se apresentam na trajetória como atravessar rios, desviar de troncos caídos ou andar em mata fechada e em áreas encharcadas. Podem incluir tombos e escorregões. Em alguns lugares, a colocação de cordas ou passarelas sobre os rios poderia facilitar muito a caminhada.

Para Thiago Valente, gerente de projetos da Fundação Boticário e líder do Movimento Viva Água Baía de Guanabara, o princípio para garantir a acessibilidade nas trilhas é deixar claro o nível de dificuldade. Na visão do biólogo, muitos lugares ainda são explorados de forma artesanal, com um guia que conhece o local, o cânion ou a cachoeira, mas mesmo em áreas formalmente protegidas, como os parques nacionais e estaduais, destinadas ao uso público, há carência grande de investimentos que consigam dar condição mínima aos visitantes de forma segura.

“Isso preocupa não só a gente, mas as pessoas que trabalham com o turismo. É diferente de países como os Estados Unidos, que entendem a oportunidade e operam hoje uma indústria bilionária, que representa, por exemplo ,uma fatia do Produto Interno Bruto (PIB) norte americano. No Brasil, esse potencial está ainda adormecido”, disse Valente, em entrevista à Agência Brasil.

A acessibilidade dentro de unidades dos governos federal e estaduais depende de investimentos públicos, mas segundo o biólogo, vem crescendo o interesse em projetos privados, que, acredita, podem também ser desenvolvidos por meio de parcerias público-privadas. Nesse caso, os investimentos caberiam aos empreendedores.

“Para esse impulso inicial, pode ser um caminho interessante aproximar o setor privado, investidores que estão olhando para projetos com potencial de gerar esse impacto social ou ambiental positivo. O gargalo da infraestrutura geralmente é o mais simples de se resolver do ponto de vista dos investimentos. Fazer estudos de acessibilidade, construir infraestruturas que facilitem a chegada dos turistas para que eles possam ter uma experiência completa e sem riscos. Realmente, há casos em que as pessoas vão e se deparam com uma estrutura bastante precária. Nesse território da Baía de Guanabara, nós estamos buscando fortalecer as alianças e criando diálogo com o poder público. Mesmo que seja uma atribuição, acho que podemos tratar isso como um desafio coletivo”, comentou.

A repórter e a fotógrafa da Agência Brasil viajaram em um grupo convidado pela Fundação Boticário.



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