Uma marcha pela Pequena África, região central do Rio de Janeiro ocupada historicamente pela comunidade afro-brasileira, encerrou a campanha 21 dias de ativismo contra o racismo. Desde 1º de março, uma agenda de eventos pela cidade buscou engajar a população carioca na luta por uma sociedade mais igualitária. Hoje21 de março, quando se celebra o Dia Internacional pela Eliminação do Racismo, historiadores e ativistas conduziram um passeio por pontos emblemáticos da herança negra, como o Largo da Prainha, a Pedra do Sal, o Cais do Valongo e o prédio Docas Pedro II.

A psicóloga Luciene Lacerda é criadora e coordenadora da campanha, que existe desde 2017. Ela comemora o aumento de pessoas e de organizações interessadas em fazer parte da agenda de eventos. Se na primeira edição foram 103 atividades inscritas, esse ano o número saltou para 350. Entre elas, exposições, debates, cursos para o cuidado de cabelos crespos e cacheados e apresentações musicais.

“Como diz a Angela Davis, não basta ser contra o racismo, é preciso ser antirracista. Então, essa campanha convoca as pessoas para que não fiquem silenciosas em situações de racismo. Que se movam em cada lugar que estão: em casa, no trabalho, onde estudam. Elas podem se mover na luta contra o racismo, até porque como diz Audre Lorde, o silêncio não vai nos proteger’”.

O professor de história e especialista em educação antirracista, Fábio Conceição, coordenou uma das atividades e reforçou que somente uma conscientização ampla da população pode produzir mudanças.

“O racismo não é um problema do negro. O racismo é um problema da sociedade brasileira. E o movimento negro há muito vem levando essa bandeira de que o racismo é um problema de todos. Então, todos que realmente estão interessados em fazer do Brasil uma nação inclusiva, uma nação que valoriza a diversidade, precisam ser antirracistas. Com o racismo não há democracia. Com o racismo, não há dignidade. Com o racismo, não existe civilização”.

Mônica Lima, professora de história da África na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), também participou da marcha. Ela foi uma das responsáveis pelo texto de candidatura do Cais do Valongo a Patrimônio Cultural da Humanidade, concedido pela Unesco em 2017. Para a professora, enfrentar o racismo inclui valorizar a herança negra do país.

“É uma experiência importante pensar e viver a história da rua juntos como um grande caminho para tomada de consciência. E não se pode pensar em luta antirracista sem tomada de consciência. Independentemente da nossa origem familiar, podemos ser e devemos ser antirracistas. E uma forma de fortalecer a luta contra o racismo é conhecer a história. É importante que a gente volte o olhar para esses logradouros, que valorize e preserve, que faça políticas públicas para que essas atividades sejam espalhadas por todas as escolas”.

A linguista e escritora negra Conceição Evaristo criticou discursos que tentam negar a existência do racismo no país e deslegitimar as lutas do movimento negro.

“Apesar de avanços, o racismo ainda é um problema a se enfrentar. Por exemplo, eu acabo de sair de uma atividade agora em que uma das falas disse o seguinte: ‘somos todos da raça humana’. Esse tipo de fala tenta neutralizar toda uma luta, né? Que nós levamos há séculos. Se somos todos de uma raça humana, por que essas diferenças sociais? Por que as pessoas brancas são as pessoas mais privilegiadas nesse país? Por que quanto mais escura é a tua pele, mais vulnerável você está nesse país?”, destaca. “Então mais do que nunca, essa luta contra o racismo tem que ser não só dita, ela tem que acontecer realmente na prática”, conclui.



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