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​Taxa de recusa de doações de órgãos no HU da UEM é três vezes menor que média nacional


Quando a dona de casa Roseli Placedina Pires recebeu a notícia da morte encefálica de seu filho Alex Gravino Pires, em 2007, à época com 21 anos, vítima de um acidente de moto, um misto de sentimentos tomou conta dela e do marido, Mario Alves Pires. Acolhidos em uma sala, foram amparados no momento difícil, no qual outro assunto urgente também teve de ser tratado: a doação dos órgãos do filho para que outras vidas pudessem ser salvas.

“Nós não titubeamos em nenhum momento. Quando perguntaram se nós autorizaríamos a doação, não pensamos duas vezes. Só olhamos um para o outro e dissemos ‘sim, pode doar tudo’. Para onde ele vai, junto de Deus, não vai precisar”, considerou Roseli. No Brasil, são os parentes de primeiro grau, em grande parte marido/esposa, pai e mãe, que autorizam as doações de órgãos, consentimento obrigatório no país para o procedimento, mesmo com o doador tendo declarado em vida o desejo de doar.

Pais de um único filho, Roseli e o marido seguiram por mais de dez anos até outro evento interromper uma saúde considerada de ferro. Após sentir sintomas por algum tempo, viu-se em uma encruzilhada, agora do outro lado: era ela quem precisaria de um órgão, mais especificamente dos rins. Para quem nunca havia tido um grande problema de saúde, que hoje acredita ter ocorrido devido a uma infecção, a notícia causou grande impacto.

“Quando eu aprovei a doação dos órgãos do meu filho, lá atrás, eu não fazia ideia de que precisaria depois. E é assim mesmo, nós precisamos fazer pelos outros sem saber para quem fazemos. Ninguém veio me perguntar quem eu era para me doar os rins, e eu ganhei uma nova vida”, disse emocionada. “As pessoas precisam doar. Eu gostaria de dizer isso a todos os que têm a oportunidade”.

Desde 2017 com os novos órgãos, Roseli faz o tratamento com nefrologista, sem perder de vista que, sem cuidados, pode voltar a precisar da hemodiálise. Hoje, é capelanista em hospitais de Maringá, junto do marido. “As pessoas querem e gostam de rezar, de orar. Eu faço pelos outros”.

​COMPROMISSO COM O PRÓXIMO – A história de Roseli representa uma entre milhares de outras experiências de familiares que, mesmo em um momento de grande dificuldade e sofrimento, optaram pela doação de órgãos de entes queridos. Porém, no Brasil, o percentual de familiares que recusam a doação de órgãos de parentes falecidos ainda é alto: cerca de 46% das famílias rejeitam qualquer doação.

​Os dados são de pesquisa recente promovida pela Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO). Os dados do Paraná, por outro lado, são bem mais otimistas: cerca de 28% das famílias rejeitam a doação. O Paraná se mantém, pelo segundo ano consecutivo, como o Estado líder em doações de órgãos, atingindo 42,3 doadores por milhão de população (pmp) em 2024 – mais que o dobro da média nacional de 19,2 pmp.

​No Hospital Universitário (HUM) da UEM, a recusa é ainda menor: somente 14%.

​Os dados positivos refletem o compromisso diário da Comissão Intra-Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante (CIHDOTT) no acolhimento de pacientes e familiares. “Desde que o paciente e a família entram no Hospital, nós acolhemos e acompanhamos todo o processo”, enfatizou a enfermeira Rosane Almeida, à frente da CIHDOTT do HUM.

A Comissão é uma das 70 CIHDOTT’s espalhadas pelo Paraná, que auxiliam na captação de órgãos para transplantes em todo o Estado e, também, no Brasil. Ela atua na avaliação de pacientes neurocríticos que podem ter risco de morte encefálica, ou uma evolução para esse tipo de morte. Em sua maioria, conta Rosane, são pacientes entubados no Pronto-Socorro e outros setores com pacientes considerados críticos.

“O diferencial do nosso atendimento é que fazemos um acolhimento prévio para a família pois, desde a entrada do paciente, ela está angustiada esperando notícias”, explica. “Esse trabalho faz muita diferença nesse processo. Algo que digo sempre, até nos nossos treinamentos, é que nós vemos a doação como uma consequência do acolhimento, depois dos esclarecimentos e de a família receber informações esclarecidas sobre o processo”, destaca ela.

De acordo com a enfermeira, há muitos mitos que envolvem o processo de doação. “Nós trabalhamos para desmistificar para que a família tenha tranquilidade para tomada de decisão. Para que seja um processo esclarecido e consciente”. O trabalho da CIHDOTT é multiprofissional. Participam da comissão enfermeiros, médicos, psicólogos e assistentes sociais.

Entre os mitos, os mais frequentes são a descaracterização do corpo. “Muitos acreditam que não poderão fazer o velório com o caixão aberto. Há uma série de mitos que nós desconstruímos no processo com a CIHDOTT. Quando a família vai a fundo, ela aceita. Costumo dizer que há uma taxa de recusa porque não chegamos no âmago da questão com algumas famílias”, ponderou Rosane.

​AUTORIZAÇÃO EM VIDA – “No Brasil, há uma espécie de hierarquia para autorizações do processo de doação de órgãos: primeiro, podem autorizar familiares de primeiro e segundo graus (marido/esposa, pai/mãe, irmão/irmã, netos, etc.) “Já houve processos em que, na Justiça, conseguiram autorização de pessoas que não tinham cônjuge nem parentes de primeiro grau. Só filhos adotivos”, comenta a enfermeira.

O mais importante, acrescenta ela, é o consentimento em vida do indivíduo que pode apenas verbalmente autorizar a doação. “Isso para a família já traz conforto para tomar a decisão. Afinal, estamos falando do corpo do ente querido e a vontade dele pode e, geralmente, é levada em consideração”, avalia.



Via AEN PR

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