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Tecnologia que rendeu Prêmio Nobel de Medicina é divisor de águas


Especialistas e pesquisadores brasileiros celebraram a escolha da bioquímica húngara Katalin Kariko e do cientista americano Drew Weissman para receberem o Prêmio Nobel de Medicina 2023 pelas pesquisas da tecnologia de RNA mensageiro (mRNA), que resultaram no desenvolvimento de vacinas contra a covid-19, considerada pelo júri da premiação como uma das maiores ameaças à saúde da humanidade nos tempos modernos.

Os dois cientistas foram laureados pelas descobertas relativas às modificações do entendimento de como a tecnologia mRNA interage no sistema imunológico, o que permitiu a produção em maior escala dos imunizantes. O anúncio foi feito nesta segunda-feira (2) pelo júri do Instituto Nobel, em Estocolmo, na Suécia, pelo secretário do Comitê de Medicina, Thomas Perlmann.

Para o vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), o pediatra infectologista Renato Kfouri, as vacinas de RNA mensageiro abrem uma janela de oportunidades não só para a prevenção de doenças infecciosas, como novas vacinas e mais potentes contra doenças conhecidas com imunizantes já disponíveis. Além disso, o médico destacou que a tecnologia contribui para a proteção com as vacinas chamadas de terapêuticas contra doenças crônicas não transmissíveis, não infecciosas.

“Vacinas contra o câncer, contra o infarto, diabetes, Alzheimer. A informação introduzida pelo RNA mensageiro no nosso organismo é capaz de produzir proteínas e anticorpos contra diversas dessas doenças. É um prêmio mais do que justo que vem premiar uma plataforma que pode revolucionar todo o tratamento de doenças já existentes e prevenir tantas outras, através de uma tecnologia mais fácil, que é desafiadora muitas vezes para muitas doenças”, disse por meio de vídeo à Agência Brasil.

Renato Kfouri acrescentou que as vacinas com RNA mensageiros se mostraram altamente eficazes contra a covid-19, mas mais do que isso, são vacinas extremamente fáceis de se produzir por não depender de material biológico.

“São vacinas que não dependem de crescimento de vírus, de bactérias, produzidas de forma sintética e com uma plasticidade, ou seja, capaz de alterar a informação genética, modificar a proteína produzida e consequentemente induzir proteção contra diversas doenças. Vacinas contra outras doenças infecciosas com esta plataforma já vem sendo desenvolvidas como as contra gripe, sarampo, vírus respiratórios.”

Na visão do vice-presidente da SBIm, as vacinas com RNA mensageiro são um divisor de águas, porque amplia as oportunidades de prevenção ao introduzir os códigos genéticos que induzem o organismo a produzir proteínas específicas no combate às doenças infecciosas.

“Temos hoje a possibilidade, através de uma tecnologia muito simples, de produzir vacinas sintéticas de rápida produção, sem riscos biológicos em termos de produção de materiais e fazendo com que a gente aumente o espectro de proteção para tantas outras doenças. É um prêmio mais do que merecido para uma tecnologia, que certamente será um divisor de águas na medicina”.

A líder científica do Projeto mRNA de Bio-Manguinhos da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) pesquisadora Patrícia Neves destacou que o Prêmio Nobel veio muito em decorrência da importância que teve para lidar com a pandemia de covid-19, mas lembrou que este tipo de tecnologia já é pesquisado há pelo menos 20 anos e vinha sendo utilizada em vacinas terapêuticas no tratamento de câncer.

“Quando a gente fala de RNA mensageiro não está falando apenas da importância que teve na pandemia de covid, mas principalmente da importância que ela tem daqui para frente na prevenção de outras doenças infecciosas como Leishmaniose, febre-amarela, e também o SRV [vírus sincicial respiratório] – o próximo alvo mais direcionado dos pesquisadores, porque é uma doença importante. A gente está falando de outras doenças e de tratamentos que nem tem a ver com vacinas. Já existem trabalhos mostrando que é possível fazer reprodução de proteínas em doenças raras, o que vai baratear muito os tratamentos”, afirmou em entrevista à Agência Brasil.

A pesquisadora reconhece que para desenvolver outros produtos baseados no mRNA ainda há muitos estudos pela frente, mas o princípio já está aprovado para vacinas preventivas.

“Para outros alvos a gente precisa caminhar um pouquinho mais, mas a promessa é enorme. Por isso que essa premiação com o Nobel tem a ver com o que aconteceu na pandemia, mas a meu ver tem a ver também com aquilo que a tecnologia promete daqui para frente.”

Na avaliação de Patrícia, o anúncio do Prêmio Nobel dá visibilidade à tecnologia do mRNA e mostra que ela é segura, eficaz e pode ser utilizada em várias aplicações.

“Talvez nem nós mesmos tenhamos a visibilidade de tudo que ela vai poder alcançar. Realmente foi uma surpresa muito grata ver esses pesquisadores recebendo, porque vai revolucionar o campo da vacinologia e, com certeza, outros campos de tratamentos também. Muito justa por tudo. Pelo controle da pandemia, foi a vacina mais rápida a ser desenvolvida para minimizar o estrago da pandemia”, disse ao lembrar que das vacinas disponíveis no Brasil, a da Pfizer utiliza este tipo de tecnologia.

Vacina brasileira

Patrícia Neves está à frente, com a pesquisadora Ana Paula Ano Bom, do projeto de Bio-Manguinhos para o desenvolvimento da primeira vacina contra a covid-19 com tecnologia totalmente brasileira, conforme compromisso com a Organização Mundial da Saúde e Organização Pan-Americana de Saúde. Até o momento foram realizados mais de sete testes diferentes em animais ao longo de dois anos. Seguidas as etapas de testes de comprovação da eficácia, a vacina terá que passar pela aprovação da Anvisa.

“A gente está desenvolvendo aqui em Bio-Manguinhos essa vacina, mas também implementando a parte produtiva e de controle de qualidade para que a gente tenha domínio completo da plataforma e possa desenvolver outros tratamentos utilizando essa tecnologia e disponibilizar para todos os brasileiros pelo SUS”, relatou.

A pesquisadora estima que a vacina totalmente brasileira esteja disponível em 2025: “depois da pandemia temos que passar por três fases de estudos clínicos. Pretendemos entrar na primeira fase de estudo clínico no ano que vem e, tudo correndo bem, da maneira que planejamos, em 2025 a gente estaria submetendo o dossiê para registro”.

Butantan

O diretor de Regulatório, Controle de Qualidade e Estudos Clínicos do Instituto Butantan, Gustavo Mendes, também considera que a vacina com RNA mensageiro revolucionou a terapêutica e o campo das vacinas, porque estimula os sistemas imunológicos com muito mais exatidão sem precisar de outras tecnologias com utilização de vírus. “Foi um grande salto na ciência para a humanidade”, observou em áudio enviado à Agência Brasil.

Gustavo Mendes destacou ainda que embora já existam estudos no Brasil para o desenvolvimento de imunizantes com esta tecnologia, não há até o momento produtos disponíveis. Segundo ele, o Instituto também vai desenvolver estudos.

“O Butantan acabou de submeter uma proposta para o Ministério da Saúde, no escopo desse novo do Complexo Econômico Industrial de Saúde. Já existe um acordo e entendimento de transferência de recursos do Ministério da Saúde ao Butantan, para o Butantan também começar as pesquisas aqui nas nossas instalações”, revelou.



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